Fui honrado Pastor da tua aldeia;
Vestia finas lãs, e tinha sempre
A minha choça do preciso cheia.
Tiraram-me o casal, e o manso gado,
Nem tenho, a que me encoste, um só cajado.
Para ter que te dar, é que eu queria
De mor rebanho ainda ser o dono;
Prezava o teu semblante, os teus cabelos
Ainda muito mais que um grande Trono.
Agora que te oferte já não vejo
Além de um puro amor, de um são desejo.
Se o rio levantado me causava,
Levando a sementeira, prejuízo,
Eu alegre ficava apenas via
Na tua breve boca um ar de riso.
Tudo agora perdi; nem tenho o gosto
De ver-te aos menos compassivo o rosto.
Propunha-me dormir no teu regaço
As quentes horas da comprida sesta,
Escrever teus louvores nos olmeiros,
Toucar-te de papoulas na floresta.
Julgou o justo Céu, que não convinha
Que a tanto grau subisse a glória minha.
Ah! minha Bela, se a Fortuna volta,
Se o bem, que já perdi, alcanço, e provo;
Por essas brancas mãos, por essas faces
Te juro renascer um homem novo;
Romper a nuvem, que os meus olhos cerra,
Amar no Céu a Jove, e a ti na terra.
Fiadas comprarei as ovelhinhas,
Que pagarei dos poucos do meu ganho;
E dentro em pouco tempo nos veremos
Senhores outra vez de um bom rebanho.
Para o contágio lhe não dar, sobeja
Que as afague Marília, ou só que as veja.
Senão tivermos lãs, e peles finas,
Podem mui bem cobrir as carnes nossas
As peles dos cordeiros mal curtidas,
E os panos feitos com as lãs mais grossas.
Mas ao menos será o teu vestido
Por mãos de amor, por minhas mão cosido.
Nós iremos pescar na quente sesta
Com canas, e com cestos os peixinhos:
Nós iremos caçar nas manhãs frias
Com a vara envisgada os passarinhos.
Para nos divertir faremos quanto
Reputa o varão sábio, honesto e santo.
Nas noites de serão nos sentaremos
C'os filhos, se os tivermos, à fogueira;
Entre as falsas histórias, que contares,
Lhes contarás a minha verdadeira.
Pasmados te ouvirão; eu entretanto
Ainda o rosto banharei de pranto.
Quando passarmos juntos pela rua,
Nos mostrarão c'o dedo os mais Pastores;
Dizendo uns para os outros: "Olha os nosso
"Exemplos da desgraça, e são amores".
Contentes viveremos desta sorte,
Até que chegue a um dos dois a morte.
Na lira XV
observamos uma característica constante dessa segunda parte de Marília de Dirceu: o contraste do
passado feliz e a tristeza do presente. A primeira estrofe da lira, o poeta
deixa muito claro a sua situação atual. Dirceu não possui mais propriedades, na
verdade não possui nenhum bem em que ele possa se apoiar, ele próprio descreve
“Não tenho, a que me encoste um só cajado.”. Noutra ele revela que prezava
muito mais Marília do que suas fortunas e a única coisa que ele tem a
oferecê-la (agora) é o seu puro amor (mesmo lamentando muito por isso), isso
causa uma preocupação por parte de Dirceu, pois se antes as diferenças
financeiras entre as famílias de Dirceu e Marília falavam mais alto e faziam
desse amor proibido agora então seria quase impossível. Percebe-se no resto do
poema um planejamento de uma vida feliz, no campo e com possíveis filhos ao
lado de Marília. Mesmo na cadeia, Dirceu ainda acreditava numa possível
absolvição, num recomeço da sua vida, de preferência junto á amada. A única
coisa que ficou para Dirceu foi as lembranças de sua “estrela”. Pior que perder
todos os seus bens é perder o grande amor de sua vida.
As
características do arcadismo nessa lira são bem diferentes da primeira parte, o
autor esta expressando toda a sua dor e agonia de estar longe de sua amada. O
bucolismo está presente na maior parte do poema, mesmo que toda a
característica campestre seja fruto de sua imaginação. Na lira temos uma
situação que se repete na primeira parte “Eu, Marília, não sou algum vaqueiro”
(lira I, parte I) e “Eu, Marília, não fui algum vaqueiro” (lira XV, parte II). O poeta apresenta verbos no pretérito (“Fui
honrado pastor...”) isso indica sua distancia e a percepção da impossibilidade
de realização de seus desejos. Interessante notar-se que, nestes versos, alguns
elementos do estilo de Gonzaga aparecem bem definidos: a imitação de modelos; a
reflexão de Dirceu sobre si mesmo, reforçando a ideia de que Gonzaga não quer
ser tomado, por “qualquer vaqueiro”.
Na segunda
parte, por refletir os sentimentos causados pela prisão, deixa claro sua
amargura e desilusão. Os poemas exprimem a solidão de Dirceu, a saudade de
Marília. O entusiasmo e felicidade não aparecem, a imaginação e a principal
“ferramenta” usada para escrever os poemas.
Glossário:
Choça – Cabana de ramos de
árvores ou colmo, própria das florestas tropicais.
Cajado – Bastão com a parte
superior arqueada, para uso dos pastores.
Compassivo – Que possui ou
demonstra compaixão; que compartilha dos sofrimentos alheios: indivíduo
compassivo.
Regaço – Parte do corpo que vai
da cintura aos joelhos, na posição sentada.
Concavidade formada pela saia ou
avental que se suspende para nela colocar alguma coisa.
Colo, seio.
Sesta – Repouso que se costuma
fazer, depois do almoço, nos países quentes: fazer a sesta.
Jove – Júpiter é o deus romano do
dia, comumente identificado com o deus grego Zeus.
Reputa – acha; achas; ache;
aprecia; aprecias; aprecie; considera; consideras; considere; respeita;
respeitas; respeite.
Yan
Mateus Da Silva Ribeiro, N° 40, 1° “E”.
Yan, gostei muito da sua análise. Foi muito abrangente e seguiu uma linha de raciocínio determinada. Ou melhor, teve começo, meio e fim. Ficou ótima!
ResponderExcluirPorém, eu queria saber se, quando você diz: "[...] reforçando a ideia de que Gonzaga não quer ser tomado, por 'qualquer vaqueiro'." você está o condenando como se ele fosse um narcisista. Fiquei com um pouco de dúvida nessa parte.
Maria Carolina D'avilla - nº 28
1º E
Boa interpretação, está lira é uma das poucas da segunda parte em que há a presença do bucolismo e você observou bem sobre a parte de o poema apresentar certas parte no pretérito.
ResponderExcluirLuciane A. - 25
1E
Carol, na verdade não o condenei como um narcisista. Quando escrevi que o autor não quer ser tomado por "qualquer vaqueiro" não quis dizer que o autor está enobrecendo-se, mas a visão que a família de Marília tem em relação a ele não passaria de "qualquer vaqueiro". Isso em minha concepção o irrita de tal maneira que faz Gonzaga repetir esse verso para ressaltar que ele não é qualquer um e que tem condições suficiente de sustentar a sua amada. De certa forma ele quer demonstrar a sua importância, mas não acho que chega a ser narcisista.
ResponderExcluirYan Mateus - N° 40 1º "E"
Concordo com sua análise, ela ficou muita clara, ainda mais depois desse seu último comentário em ralação ao poeta. Me ajudou a compreender melhor a sua análise.
ResponderExcluirDaniella Úrsula de Macêdo Marques
Nº 06 1ºE
Yan, gostei muito de sua colocação e análise. O que compreendi da lira foi a tristeza do poeta, mas ele ainda tem esperanças de que tudo vai mudar. Podendo assim viver com sua amada.
ResponderExcluirAmanda Silva - Nº 03
1ºE