Lira VII
Meu prezado Glauceste,
Se fazes o conceito,
Que, bem que réu, abrigo
A cândida virtude no meu peito;
Se julgas, digo, que mereço ainda
Da tua mão socorro,
Ah! vem dar-me agora,
Agora sim que morro.
Não quero, que montado
No Pégaso fogoso,
Venhas com dura lança
Ao monstro infame traspassar raivoso.
Deixa que viva a pérfida calúnia,
E forje o meu tormento:
Com menos, meu Glauceste,
Com menos me contento.
Toma a lira dourada,
E toca um pouco nela:
Levanta a voz celeste
Em parte que te escute a minha Bela;
Enche todo o contorno de alegria;
Não sofras, que o desgosto
Afogue em pranto amargo
O seu divino rosto.
Eu sei, eu sei, Glauceste,
Que um bom cantor havia,
Que os brutos amansava;
Que os troncos, e os penedos atraía.
De outro destro Cantor também afirma
A sábia antiguidade,
Que as muralhas erguera
De uma grande Cidade.
Orfeu as cordas fere;
O som delgado, e terno
Ao Rei Plutão abranda,
E o deixa, que penetre o fundo Averno.
Ah! tu a nenhum cedes, meu Glauceste,
Na lira, e mais no canto;
Podes fazer prodígios,
Obrar ou mais, ou tanto.
Levanta pois as vozes:
Que mais, que mais esperas?
Consola um peito aflito;
Que é menos ainda, que domar as feras.
Com isto me darás no meu tormento
Um doce lenitivo;
Que enquanto a Bela vive,
Também, Glauceste, vivo.
E com voz importuna
Me diz que mova o passo;
Que ente no grande Templo, em que se encerra
Quanto o destino manda,
Que ela obre sobre a terra.
Que coisas portentosas nele encontro!
Eu vejo a pobre fundação de Roma;
Vejo-a queimar Cartago;
Vejo que as gentes doma;
E vejo o seu estrago.
Lá floresce o poder do Assírio Povo;
Aqui os Medos crescem,
E os perde um braço novo.
Então me diz a Deusa: "E que pretendes?
"Todas estas medalhas ver agora?
"Ah! não, não sejas louco!
"Espaço de anos fora
"Para isso ainda pouco;
"Deixa estranhos sucessos, vem comigo;
"Verás quanto inda deve
"Acontecer contigo."
Levou-me aonde estava a minha história,
Que toda me explicou com modo, e arte.
"Tirei-te libras de ouro",
Me diz, "e quero dar-te
"Todo aquele tesouro.
"Não suspira por bens um peito nobre?
Severo lhe respondo,
"Vivo afeito a ser pobre."
Aqui me enruga a Deusa irada a testa,
E fica sem falar um breve espaço.
"Alegra, alegra o rosto",
Prossegue, "ali te faço
"Restituir o posto."
Respondo em ar de mofa, e tom sereno:
"Conheço-te, Fortuna,
"Posso morrer pequeno."
"Aqui te dou, me diz, a tua amada."
Então me banho todo de alegria.
"Cuidei, me torna a cega,
"Que essa alma não queria
"Nem esta mesma entrega."
"É esse o bem, respondo, que me move,
"Mas este bem é santo,
"Vem só da mão de Jove."
Queria mais falar; eu insofrido
Desta maneira rompo os seus acentos:
"Basta, Fortuna, basta,
"Estes breves momentos
"Lá noutras coisas gasta;
"Da minha sorte nada mais contemplo."
E, chamando Marília,
Suspiro, e deixo o Templo.
Nesta lira há algo comum em algumas das liras dessa segunda parte: um diálogo. O poema em si é uma carta, um relato que Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga) faz a seu amigo Glauceste (Cláudio Manuel da Costa). Ele se lamenta da dor que sente, pois está preso e longe de sua amada, o que acontece em toda a segunda parte do livro. Há uma depressão infindável, algo tão profundo que o leitor quase pode se sentir como Dirceu. Durante o diálogo com a Fortuna, ele deixa muito claro que ainda vive, não se rende ao tempo e à morte, porque seu amor por Marília é maior do que qualquer coisa. No decorrer na lira, podemos acompanhar a trilha relatada por Dirceu rumo ao templo onde há o encontro com a deusa. Lá, ele se depara com sua própria história e tem a oportunidade de saber o que mais pode acontecer a ele. Claro, tudo o que aconteceé fruto de sua imaginação, o que, a meu ver, revela que ele estava ficando perturbado enquanto preso. Talvez, fosse apenas a dor da distância sendo forte demais.
As características do arcadismo, apesar de não serem as mesmas, ainda são presentes, como a simplicidade da linguagem (inutilia truncat). Há o uso da razão, mas, ao mesmo tempo, uma leve invenção de fatos (trata-se do diálogo). É clara a presença das figuras mitológicas e do modelo clássico da antiguidade Greco-latina, além dos usuais pseudônimos e da objetividade. Porém, não há a alegria e tranquilidade do carpe diem ou pastoralismo. Todas as características presentes são associadas a coisas negativas.
Como já dito, na segunda parte do livro, Dirceu está preso e longe de sua amada. A partir deste ponto, não há mais alegria em seus poemas, não há mais a celebração da beleza de sua amada. Há apenas a dor, a distância e a saudade. Graças a isso, a leveza e tranquilidade existentes na primeira parte do livro desaparecem. Agora, tudo está envolto numa atmosfera escura e pesada, pois Dirceu está cansado, triste e longe de sua casa e de sua amada. Quem mais poderia viver assim?
Glossário:
Glauceste – Cláudio Manuel da Costa foi o responsável pela introdução do arcadismo no Brasil. Era muito amigo de Tomás Antônio Gonzaga e seu pseudônimo eraGlauceste Satúrnio.
Pégaso – Cavalo alado da mitologia.
Pérfida – Que falta à fé jurada; infiel; traidor.
Penedos – Pedra grande; rochedo; penhasco.
Plutão – Deus da morte e do submundo na mitologia romana, equivalente a Hades na mitologia grega.
Assírio – Relativo à Assíria, antigo reino do Oriente Médio.
Averno – A entrada para o inferno na mitologia, ou simplesmente “inferno” em linguagem poética.
Jove – Júpiter, deus dos deuses na mitologia romana, equivalente a Zeus na mitologia grega.
Maria Carolina D’avilla – nº 28
1º E
Nossa Maria, sua interpretação ficou fantástica, você captou muito bem o que Dirceu quis dizer, não só nesta lira, mas como em toda a segunda parte, muito bom.
ResponderExcluirLuciane A. - 25
1E
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAmei sua interpretação, ela está muito clara. Concordo quando você diz que a atmosfera do poeta está muito pesada, pois ele realmente parece triste por estar longe de "casa" e muito cansado.
ResponderExcluirDaniella Úrsula de Macêdo Marques
Nº06 1ºE
Concordo com sua análise, você conseguiu expressar muito bem os sentimentos do poeta. Sua interpretação me fez compreender melhor a lira.
ResponderExcluirAmanda Silva Santana - Nº 03
1ºE