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terça-feira, 20 de agosto de 2013

Parte 2 - Lira VII

Lira VII

Meu prezado Glauceste,

Se fazes o conceito,

Que, bem que réu, abrigo

A cândida virtude no meu peito;

Se julgas, digo, que mereço ainda

Da tua mão socorro,

Ah! vem dar-me agora,

Agora sim que morro.

Não quero, que montado

No Pégaso fogoso,

Venhas com dura lança

Ao monstro infame traspassar raivoso.

Deixa que viva a pérfida calúnia,

E forje o meu tormento:

Com menos, meu Glauceste,

Com menos me contento.

Toma a lira dourada,

E toca um pouco nela:

Levanta a voz celeste

Em parte que te escute a minha Bela;

Enche todo o contorno de alegria;

Não sofras, que o desgosto

Afogue em pranto amargo

O seu divino rosto.

Eu sei, eu sei, Glauceste,

Que um bom cantor havia,

Que os brutos amansava;

Que os troncos, e os penedos atraía.

De outro destro Cantor também afirma

A sábia antiguidade,

Que as muralhas erguera

De uma grande Cidade.

Orfeu as cordas fere;

O som delgado, e terno

Ao Rei Plutão abranda,

E o deixa, que penetre o fundo Averno.

Ah! tu a nenhum cedes, meu Glauceste,

Na lira, e mais no canto;

Podes fazer prodígios,

Obrar ou mais, ou tanto.

Levanta pois as vozes:

Que mais, que mais esperas?

Consola um peito aflito;

Que é menos ainda, que domar as feras.

Com isto me darás no meu tormento

Um doce lenitivo;

Que enquanto a Bela vive,

Também, Glaucestevivo.

E com voz importuna

Me diz que mova o passo;

Que ente no grande Templo, em que se encerra

Quanto o destino manda,

Que ela obre sobre a terra.

Que coisas portentosas nele encontro!

Eu vejo a pobre fundação de Roma;

Vejo-a queimar Cartago;

Vejo que as gentes doma;

E vejo o seu estrago.

Lá floresce o poder do Assírio Povo;

Aqui os Medos crescem,

E os perde um braço novo.

Então me diz a Deusa: "E que pretendes?

"Todas estas medalhas ver agora?

"Ah! não, não sejas louco!

"Espaço de anos fora

"Para isso ainda pouco;

"Deixa estranhos sucessos, vem comigo;

"Verás quanto inda deve

"Acontecer contigo."

Levou-me aonde estava a minha história,

Que toda me explicou com modo, e arte.

"Tirei-te libras de ouro",

Me diz, "e quero dar-te

"Todo aquele tesouro.

"Não suspira por bens um peito nobre?

Severo lhe respondo,

"Vivo afeito a ser pobre."

Aqui me enruga a Deusa irada a testa,

E fica sem falar um breve espaço.

"Alegra, alegra o rosto",

Prossegue, "ali te faço

"Restituir o posto."

Respondo em ar de mofa, e tom sereno:

"Conheço-te, Fortuna,

"Posso morrer pequeno."

"Aqui te dou, me diz, a tua amada."

Então me banho todo de alegria.

"Cuidei, me torna a cega,

"Que essa alma não queria

"Nem esta mesma entrega."

"É esse o bem, respondo, que me move,

"Mas este bem é santo,

"Vem só da mão de Jove."

Queria mais falar; eu insofrido

Desta maneira rompo os seus acentos:

"Basta, Fortuna, basta,

"Estes breves momentos

"Lá noutras coisas gasta;

"Da minha sorte nada mais contemplo."

E, chamando Marília,

Suspiro, e deixo o Templo.

 

 

Nesta lira há algo comum em algumas das liras dessa segunda parte: um diálogo. O poema em si é uma carta, um relato que Dirceu (Tomás Antônio Gonzaga) faz a seu amigo Glauceste (Cláudio Manuel da Costa). Ele se lamenta da dor que sente, pois está preso e longe de sua amada, o que acontece em toda a segunda parte do livro. Há uma depressão infindável, algo tão profundo que o leitor quase pode se sentir como Dirceu. Durante o diálogo com a Fortuna, ele deixa muito claro que ainda vive, não se rende ao tempo e à morte, porque seu amor por Marília é maior do que qualquer coisa. No decorrer na lira, podemos acompanhar a trilha relatada por Dirceu rumo ao templo onde há o encontro com a deusa. Lá, ele se depara com sua própria história e tem a oportunidade de saber o que mais pode acontecer a ele. Claro, tudo o que aconteceé fruto de sua imaginação, o que, a meu ver, revela que ele estava ficando perturbado enquanto preso. Talvez, fosse apenas a dor da distância sendo forte demais.

 

As características do arcadismo, apesar de não serem as mesmas, ainda são presentes, como a simplicidade da linguagem (inutilia truncat). Há o uso da razão, mas, ao mesmo tempo, uma leve invenção de fatos (trata-se do diálogo). É clara a presença das figuras mitológicas e do modelo clássico da antiguidade Greco-latina, além dos usuais pseudônimos e da objetividade. Porém, não há a alegria e tranquilidade do carpe diem ou pastoralismo. Todas as características presentes são associadas a coisas negativas.

 

Como já dito, na segunda parte do livro, Dirceu está preso e longe de sua amada. A partir deste ponto, não há mais alegria em seus poemas, não há mais a celebração da beleza de sua amada. Há apenas a dor, a distância e a saudade. Graças a isso, a leveza e tranquilidade existentes na primeira parte do livro desaparecem. Agora, tudo está envolto numa atmosfera escura e pesada, pois Dirceu está cansado, triste e longe de sua casa e de sua amada. Quem mais poderia viver assim?

 

Glossário:

Glauceste – Cláudio Manuel da Costa foi o responsável pela introdução do arcadismo no Brasil. Era muito amigo de Tomás Antônio Gonzaga e seu pseudônimo eraGlauceste Satúrnio.

Pégaso – Cavalo alado da mitologia.

Pérfida – Que falta à fé jurada; infiel; traidor.

Penedos – Pedra grande; rochedo; penhasco.

Plutão – Deus da morte e do submundo na mitologia romana, equivalente a Hades na mitologia grega.

Assírio – Relativo à Assíria, antigo reino do Oriente Médio.

Averno – A entrada para o inferno na mitologia, ou simplesmente “inferno” em linguagem poética.

Jove – Júpiter, deus dos deuses na mitologia romana, equivalente a Zeus na mitologia grega.

 

 

Maria Carolina D’avilla – nº 28

1º E

4 comentários:

  1. Nossa Maria, sua interpretação ficou fantástica, você captou muito bem o que Dirceu quis dizer, não só nesta lira, mas como em toda a segunda parte, muito bom.

    Luciane A. - 25
    1E

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  2. Amei sua interpretação, ela está muito clara. Concordo quando você diz que a atmosfera do poeta está muito pesada, pois ele realmente parece triste por estar longe de "casa" e muito cansado.

    Daniella Úrsula de Macêdo Marques
    Nº06 1ºE

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  3. Concordo com sua análise, você conseguiu expressar muito bem os sentimentos do poeta. Sua interpretação me fez compreender melhor a lira.

    Amanda Silva Santana - Nº 03
    1ºE

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